quarta-feira, 22 de junho de 2016

OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER

OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolgang Goethe

Que este pequeno livro te seja um amigo, se a sorte ou a
tua própria culpa não permitem que encontres outro mais à mão!

que é então o coração humano? Apartar-me de
você, que tanto estimo, você, de quem eu era inseparável, e andar contente!

Quero fruir o presente e considerar o passado como passado.

os homens sofreriam menos se não se aplicassem tanto  a invocar os males idos e
vividos, em vez de esforçar-se por tornar suportável um presente medíocre.

Cada árvore, cada sebe forma um tufo de flores, e a gente tem vontade de transformar-se em abelha
para flutuar neste oceano de perfumes e deles fazer o único alimento.

Minha alma inunda-se de uma serenidade maravilhosa, harmonizando-se com a das doces manhãs
primaveris que procuro fruir com todas as minhas forças.

Bem sei que não somos, nem podemos ser todos iguais; sustento, porém, que aquele que julga
necessário, para se fazer respeitar, distanciar-se do que nós chamamos povo é tão digno de lástima
como o covarde que se esconde a aproximação do inimigo, de medo de ser vencido.

Se você me perguntar como e a gente daqui, serei forçado a responder: "A mesma de toda parte".
Como a espécie humana é uniforme! A maioria sofre durante quase todo o seu tempo, apenas para
poder viver, e os Poucos lazeres que lhe restam são de tal modo cheios de preocupações, que ela
procura todos os meios de aliviá-las. Oh, destino do homem!

Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo!
Tudo flutua vagamente nos meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando,
prossigo na minha viagem através do mundo.

Dir-se-ia que a dança existe somente para
ela e que ela não pensa e não existe senão para dançar, porque, nesse momento, a seus olhos tudo o
mais é como se não existisse.

E é assim que o homem de índole mais inquieta acaba por aspirar ao retorno à sua pátria,
encontrando em sua cabana, no regaço da esposa, entre os filhos e no trabalho para sustentá-los, a
felicidade que em vão procurou na terra inteira.

Ora, nada me aborrece mais do que ver as pessoas se atormentarem umas às outras; e
sobretudo os jovens, em plena primavera da vida, quando o coração podia desabrochar a todas as
alegrias, estragarem reciprocamente os seus melhores dias, para reconhecerem mais tarde que
esbanjaram bens que nunca mais serão recuperados.

- Ali! se disséssemos a nós mesmos, cada dia: "Tu só podes fazer uma coisa àqueles a quem amas:
deixar-lhes as alegrias que possuem e aumentar a sua felicidade participando dessas mesmas
alegrias!

encontra alguém para o qual a impele um sentimento desconhecido e poderoso. É para esse
alguém que se voltam todas as suas esperanças; ela esquece o mundo e não ouve, não ve, não sente
senão esse alguém; só Ele existe para ela, só a Ele deseja.

0 homem é sempre o homem; a parcela de inteligencia que possa ter
raras vezes conta, ou não pode ser admitida em absoluto, desde que suas paixões se desencadeiem
e Ele se veja acuado nos extremos da sua humanidade.

A coisa mais certa deste mundo é que o afeto, somente, torna o homem necessário.

Isto me convence de que um
autor estraga a sua obra, revendo-a e corrigindo-a para uma segunda edição, pois ela nada ganha
quanto ao conteudo poético. A primeira impressão nos encontra em estado passivo, a tal ponto que
o homem pode aceitar as coisas mais inverossímeis; e, como se fixam fortemente no seu espírito, ai
daqueles que depois pretendam apagá-las ou arrancá-las!

Por que é que aquilo que faz a felicidade do homem acaba sendo, igualmente, a fonte de suas
desgraças?

De algum modo, era como se eu me tornasse um Deus pela plenitude de emoção que transbordava de mim, e as magníficas imagens do mundo infinito, agitando-se em minha alma, enchiam-na de uma vida
nova. Via-me cercado de montanhas gigantescas; diante de mim abriam-se abismos onde se
precipitavam as torrentes formadas pelas chuvas das ,tempestades. Embaixo, os rios rolavam suas
ondas impetuosas, as florestas e as montanhas estremeciam. Eu via todas as forças insondáveis da
natureza agir umas sobre as outras, e juntas se fecundarem na profundeza da terra; via espécies
diversas de criaturas pulular sobre a terra e sob os céus.

Pobre homem insensato, que julgas
todas as coisas pequenas, por que és, também, tão pequeno?

 para sentir, um só momento, fraco e limitado como me sinto, correr em minhas veias uma
gota da felicidade proporcionada pelo ser que produz todas as coisas em si e por si mesmo.


 Tudo nos falta quando estamos em falta conosco mesmos!

Tudo quanto se acha fora de nós parece mais belo, e todos os homens mais perfeitos
do que nós. E isto é natural porque sentimos demasiado as nossas imperfeições e os outros sempre
parecem possuir precisamente aquilo que nos falta. Em consequencia, nós lhes acrescentamos tudo
quanto está em nós mesmos e, para coroar a obra, concedernos-lhes também certa facilidade
miraculosa que exclui toda idéia de esforço. E eis esse bem-aventurado mortal convertido num
conjunto de perfeições por nós mesmos criadas.

É verdade que o caminho seria mais curto e mais comodo se não fosse a montanha; mas
a montanha existe e é preciso seguir viagem!

. Não há tesouro comparável à paz de espírito e a estar a gente
satisfeito consigo próprio!

Transpus a entrada da vila e encontrei-me comigo mesmo.

De que me
serve poder dizer hoje, com todos os colegiais, que a terra é redonda? Para ser feliz, poucas
palavras bastam ao homem, menor numero ainda é preciso para que Ele encontre repouso.

Ali! o que eu sei, todos podem saber; meu coração, porem, só eu, mais
ninguém pode possuí-lo.

Sim, nada mais sou do que um viajante, um peregrino sobre a terra! E você é alguma coisa mais do
que isso?

Rio-me do meu coração ... e só faço o que Ele quer.

Sim, é isso mesmo! Assim como a natureza se inclina para o outono, também o outono vive dentro
de mim e em torno de mim. As folhas da minha alma vão amarelecendo, enquanto as folhas das
árvores vizinhas tombam.

Que vazio horrível sinto em meu peito! Quantas vezes digo a mim mesmo: "Se você
pudesse uma vez, ao menos uma vez, apertá-la contra o coração, esse vazio seria preenchido".

Ah! o que trago em mim de amor, - alegria, calor e embriaguez só de mim
depende, não me poderá ser dado por outrem; e, o coração transbordando de felicidade, não
poderei fazer feliz esse outrem, se Ele permanece frio e sem força diante de mim.

Tenho-a toda em mim, e o sentimento que experimento por ela absorve tudo. Tenho-a toda em
mim, e sem ela tudo é para mim como se não existisse.



sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Montanha Mágica - Thomas Mann



 Dois dias de viagem apartam um homem e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida do seu mundo cotidiano, de tudo quanto ele costuma chamar seus deveres, interesses, cuidados e projetos; apartam-no muito mais do que esse jovem imaginava, enquanto um fiacre o levava à estação. 

O espaço que, girando e fugindo, se roja de permeio entre ele e seu lugar de origem, revela forças que geralmente se julgam privilégio do tempo; produz de hora em hora novas metamorfoses íntimas, muito parecidas com aquelas que o tempo origina, mas em certo sentido mais intensas ainda. Tal qual o tempo, o espaço gera o olvido; porém o faz, desligando o indivíduo das suas relações e pondo-o num estado livre, primitivo; chega até mesmo a transformar, num só golpe, um pedante ou um burguesote numa espécie de vagabundo. Dizem que o tempo é como o rio Letes; mas também o ar de paragens longínquas representa uma poção semelhante, e seu efeito, conquanto menos radical, não deixa de ser mais rápido.

Reinava na natureza aquele estado de transição, descolorido, melancólico, desprovido de vida, que precede imediatamente o anoitecer definitivo. 

como se quisesse dar a entender que no contato com ele todo acanhamento era supérfluo e somente deveria reinar a mais risonha confiança. 

Para um homem se dispor a empreender uma obra que ultrapassa a medida das absolutas necessidades, sem que a época saiba uma resposta satisfatória à pergunta “Para quê?”, é indispensável ou um isolamento moral e uma independência, como raras vezes se encontram e têm um quê heróico, ou então uma vitalidade muito robusta. 

A maioria mostrava-se alegre, provavelmente sem motivo particular, apenas por não terem preocupações imediatas e estarem reunidos num grupo numeroso. 

-meu Deus – disse enfim – eles estão tão livres... quero diz é gente moça, e o tempo não significa nada para eles. E quem sabe se não vão morrer! Para que então ficar com a cara triste? Às vezes vem a idéia de que essa coisa da doença e da morte no fundo não séria; é antes uma espécie de relaxamento. A seriedade existe somente na vida lá de baixo. Creio que você também compreenderá isso, quando estiver mais tempo aqui em cima.


e quando a gente tem interesse por alguma coisa, não tarda compreendê-la, não é?... Mas, que se passa comigo? 

-meu vício? Não diga isso, Sr. Settembrini.
– Por que não? É preciso chamar as coisas pelos seus nomes verdadeiros, e fazê-lo energicamente. Isto fortifica e eleva a vida. Também eu tenho vícios.

Com efeito, “sempre alegre”, se bem que às vezes de uma alegria meio forçada. 

Todo caminho que trilhamos pela primeira vez é muito mais longo do que o mesmo caminho quando já o conhecemos.

– Por que não julga? É para esse fim que a natureza lhe deu os olhos e o cérebro. 

– Pois é, quando se presta atenção ao tempo, ele passa muito devagar.

Culti¬vava seu jardim, ... e tudo quanto dizia era belo e sadio. 

Um jovem de talento não é uma folha em branco, senão uma folha sobre a qual tudo já foi escrito, com tinta simpática, por assim dizer, tudo, tanto o bem como o mal, e cumpre ao educador desenvolver decididamen¬te o bem e apagar, mediante uma influência adequada, o mal que deseja manifestar-se... 

Eu não quis perguntar, para não mostrar a minha ignorância. 

Crê-se em geral que a novidade e o caráter interessante do conteúdo “fazem passar” o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e a vacuidade lhe estorvam e retardam o fluxo. Isto não é verdade, senão com certas res¬trições. Pode ser que a vacuidade e a monotonia alarguem e tornem “tediosos” o momento e a hora; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, por outro lado, capaz de abreviar a hora e até mesmo o dia; mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tem¬po, de maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e se vão voando. O que se chama tédio é, portanto, na realidade, antes uma brevidade mórbida do tempo, provocada pela monotonia: em casos de igualdade contínua, os grandes lapsos de tempo chegam a encolher-se a tal ponto, que causam ao coração um susto mortal; quando um dia é como todos, todos são como um só; passada numa uniformidade perfeita, a mais longa vida seria sentida como brevíssima e decorreria num abrir e fe¬char de olhos. O hábito representa a modorra, ou ao menos o enfraquecimento, do senso de tempo, e o fato de os anos de infância serem vividos mais vagarosamente, ao passo que a vida posterior se desenrola e foge cada vez mais depressa – esse fato também se baseia no hábito. Sabemos perfeita-mente que a intercalação de mudanças de hábitos, ou de hábitos novos, constitui o único meio para manter a nossa vida, para refrescar a nossa sensação de tempo, para obter um rejuvenescimento, um reforço, um retardamento da nos¬sa experiência do tempo, e com isso, a renovação da nossa sensação de vida em geral. Tal é a finalidade da mudança de lugar e de clima, da viagem de recreio, e nisso reside o que há de salutar na variação e no episódico. Os primeiros dias num ambiente novo têm um curso juvenil, quer dizer, vigoroso e amplo. Isto se aplica a uns seis ou oito dias. Depois, na medida em que a pessoa se “aclimata”, começa a sentir uma progressiva abreviação: quem se apega à vida, ou melhor, quem gostaria de fazê-lo, talvez note com horror como os dias voltam a tornar-se leves e começam a deslizar voando; e a última semana – de quatro, por exemplo – é de uma rapidez e fugacidade inquietante. Verdade é que a vitalização do nosso senso de tempo produz efeitos além do interlúdio, fazendo-se valer ainda quando a pessoa já voltou à rotina; os primeiros dias que passamos em casa, depois da variação, se nos afiguram também novos, amplos e juvenis; mas esses são somente uns poucos, já que a gente se reacostuma mais rapidamente à rotina do que à sua sus¬pensão. E o senso de tempo de quem já está fatigado, em virtude da idade, ou nunca o possuiu desenvolvido em alto grau – o que é sinal de pouca força vital –, volta a ador¬mecer muito depressa, e já ao cabo de vinte e quatro horas é como se tal pessoa jamais se tivesse afastado do seu am¬biente habitual, e a viagem não passasse do sonho de uma noite.

A música desperta o tempo; desperta a nós, para tirarmos do tempo um gozo mais refinado; desperta... e portanto é moral. A arte é moral na medida em que desperta. 

pois a potência do amor não se deixava reprimir nem violentar, o amor oprimido não estava morto, não; vivia, continuava, nas trevas, no mais profundo segredo, a almejar a sua realização, rompia o círculo mágico da castidade e ressurgia, ainda que sob forma metamorfoseada, dificílima de reconhecer... E qual era, afinal, a forma e a máscara que usava o amor vedado e oprimido na sua reaparição?

O sintoma da doença nada é senão a manifestação disfarçada da potência do amor; e toda doença é apenas amor transformado.

A técnica – expôs Settembrini – subjugava cada vez mais a natureza, pelas comunicações que criava, pelas redes de estradas e telégrafos que construía, e pelas vitórias que conquistava sobre as diferenças de clima; dessa forma apresentava-se como o meio mais seguro para aproximar os povos, para favorecer o contato entre eles, para levá-los a acordos humanos, para destruir os preconceitos existentes, e, finalmente, para estabelecer a união universal. A raça humana tinha a sua origem na escuridão, no medo e no ódio, mas avançava e subia por um caminho brilhante, rumo a um estado terminal de simpatia, luminosidade íntima, bondade e felicidade. O veículo mais apropriado para transpor esse caminho era a técnica, declarou Settembrini. 

Devia ter ido um pouco mais longe e dizer que um belo estilo conduz a belas ações. Pois escrever bem já era quase pensar bem, e daí a agir bem não havia muita distância. 

A existência é mais divertida a dois

Eu mesmo deveria, talvez, formar com mais freqüência uma opinião própria, em vez de aceitar as coisas como se apresentam. 

Tiraremos uma vista bonita do seu interior; o senhor gostará de espiar para dentro da sua própria pessoa. 
A calma é o primeiro dever do cidadão, e a impaciência apenas o prejudica. 

Manifestam pouca cultura os viajantes que zombam dos costumes e dos conceitos dos povos que os acolhem; há muitos tipos de qualidades suscetíveis de conferir honra a quem as possui. 

comme un rêve singulièrement profond, car il faut dormir très profondément pour rêver comme cela... Je veux dire: c’est un rêve bien connu, rêvé de tout temps, long, éternel, oui, être assis près de toi comme à présent, voilà l’éternité.
– Oh! L’amour n'est rien, s’il n’est pas de la folie, une chose insensée, défendue et une aventure dans le mal. Autrement c’est une banalité agréable, bonne pour en faire de petites chansons paisibles dans les plaines.

– je t’ai aimée de tout temps, car tu es le Toi de ma vie, mon rêve, mon sort, mon éternel désir... (- Eu te amei o tempo todo, porque és tu a minha vida, meu sonho, meu destino, meu desejo eterno ...)

Que é o tempo? Um mistério: é imaterial e – onipotente. É uma condição do mundo exterior; é um movimento ligado e mesclado à existência dos corpos no espaço e à sua marcha. Mas deixaria de haver tempo se não houvesse movimento? Não haveria movimento sem o tempo? É inútil perguntar. É o tempo uma função do espaço? Ou vice-versa? Ou são ambos idênticos? Não adianta prosseguir perguntando. O tempo é ativo, tem caráter verbal, “traz consigo”. Que é que traz consigo? A transformação. O Agora não é o Então; o Aqui é diferente do Ali; pois entre ambos se intercala o movimento. Mas, visto ser circular e fechar-se sobre si mesmo o movimento pelo. qual se mede o tempo, trata-se de um movimento e de uma transformação que quase poderiam ser qualificados de repouso e de imobilidade: o Então repete-se constantemente no Agora, e o Ali repete-se no Aqui. Como, por outro lado, nem sequer os mais desesperados esforços nos podem fazer imaginar um tempo finito ou um espaço limitado, decidimo-nos a configurar eternos e infinitos o tempo e o espaço, evidentemente na esperança de obter dessa forma um resultado, senão perfeito, ao menos melhor. Ora, estabelecer o postulado do eterno e do infinito não significa, porventura, o aniquilamento lógico e matemático de tudo quanto é limitado e finito, e a sua redução aproximada a zero? É possível uma sucessão no eterno ou uma justaposição no infinito? São compatíveis com as hipóteses de emergência do eterno e do infinito, conceitos como os da distância, do movimento, da transformação, ou a simples existência de corpos limitados no Universo? Quantas perguntas improfícuas!

 E eles punham óculos de cor, verdes, amarelos, vermelhos, para poupar os olhos, mas sobretudo para proteger o coração.


E uma espécie de comoção apoderou-se dele, uma singela e devota simpatia por esse seu coração, o coração palpitante do homem, que pulsava, nesse ermo glacial, tão sozinho com seus problemas e seus enigmas.

Olhou o relógio de ouro, com tampa de mola e monograma, que, nessa solidão desolada, continuava a tiquetaquear, viva e lentamente, semelhante ao seu coração, o comovente coração humano a pulsar no calor orgânico do tórax...

É isso o que tanto me comove e faz com que me apaixone por eles: o espírito e a mentalidade que formam a base do seu ser e lhes determinam a união e a convivência!”
 Sou tentado a dizer que não extraímos os sonhos unicamente da nossa própria alma. Sonhamos anônima e coletivamente, embora de forma individual. A grande alma, da qual tu não és mais do que uma partícula, talvez sonhe às vezes através de ti, à tua maneira. Sonha com coisas que sempre lhe enchem os sonhos secretos: sua juventude, sua esperança, sua felicidade e sua paz, e também a sua ceia sangrenta. 

Com efeito, a nossa morte é assunto dos sobreviventes, mais do que de nós próprios. 

Em seguida se ergueu e chorou, deixando correr sobre as faces lágrimas como aquelas que tanto haviam ardido no rosto do oficial da marinha inglesa; esse líquido claro, que jorra neste mundo a toda hora e em toda parte, com tanta abundância e com tanta amargura que os poetas deram o seu nome ao “vale” terreno; esse produto alcalino e salgado das glândulas que o abalo dos nervos, causado por uma dor penetrante, arranca ao nosso corpo, e que, como Hans Castorp sabia, continha além disso traços de mucina e de albumina.



Será que ele me fez algum mal intencionalmente? Ofensas devem ser feitas de propósito, do contrário não são ofensas.