segunda-feira, 16 de maio de 2016

Todo Dia - David Levithan


— Só quero que tudo fique bem.
Concordo com a cabeça. Se tem uma coisa que aprendi, é isso: todos nós queremos que tudo fique bem. Nem mesmo desejamos que as coisas sejam fantásticas, maravilhosas ou extraordinárias. Satisfeitos, aceitamos o bem, porque, na maior parte do tempo, bem é o suficiente.

O passado não me ofusca, nem o futuro me motiva. Concentro-me no presente, porque é nele que estou destinado a viver.

Simples e complicado, como a maior parte das coisas verdadeiras.

Observamos as árvores, o céu, as placas, a estrada. Sentimos um ao outro. O mundo, nesse exato instante, consiste em apenas nós dois.
Continuamos a cantar. E cantamos com o mesmo abandono, sem nos preocuparmos muito se nossas vozes atingem as notas ou as palavras certas. Trocamos olhares enquanto cantamos; não são dois solos, é um dueto que não se leva muito a sério. É uma forma própria de conversa. Você pode aprender muito sobre as pessoas a partir das histórias que contam, mas também pode conhecê-las pelo modo como cantam, não importando se gostam de janelas levantadas ou abaixadas, se vivem de acordo com o mapa ou se perdem-se pelo mundo, ou se sentem a atração do mar.

Eles não têm silêncios juntos; têm ruídos.

Que história é essa sobre o instante em que você se apaixona? Como uma medida tão pequena de tempo pode conter algo tão grande? De repente, percebo por que as pessoas acreditam em déjà vu, por que acreditam em vidas passadas; porque não há meio de fazer com que os anos que passei na Terra sejam capazes de resumir o que estou sentindo. O momento em que você se apaixona parece carregar séculos, gerações atrás de si — tudo isso se reorganizando para que essa interseção precisa e incomum possa acontecer. Em seu coração, em seus ossos, por mais bobo que saiba que é, você sente que tudo levou a isso, que todas as flechas secretas estavam apontando para este lugar, que o universo e o próprio tempo construíram isso muito tempo atrás, e agora você acaba de perceber que chegou ao local onde sempre deveria ter estado.

É isso que o amor faz: que você queira reescrever o mundo. Que você queira escolher os
personagens, construir o cenário, dirigir o roteiro. A pessoa que você ama senta de frente para você, e você quer fazer tudo que estiver ao alcance para tornar isso possível, infinitamente possível. E quando são apenas vocês dois a sós numa sala, você pode fingir que é assim que as coisas são, que é assim que serão.

Sempre haverá mais perguntas. Toda resposta leva a mais perguntas.

O único meio de sobreviver é abrindo mão de algumas.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Vidas Secas - Graciliano Ramos


Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado.
Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, a toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de passagem, era hospede. Sim senhor, hospede que demorava demais, tomava amizade a casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite.

Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha.
- Esta ai.
Se aprendesse qualquer coisa, necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.

Seu Tomas da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia.  Esquisitice um homem remediado ser cortes. Ate o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele.

Não queria morrer. Ainda tencionava correr mundo, ver terras, conhecer gente importante (...). Era uma sorte ruim, mas desejava brigar com ela, sentir-se com forca para brigar com ela e vence-la.

Havia muitas coisas. Ele não podia explica-las, mas havia.

Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família.

Mas iam vivendo, na graça de Deus, o patrão
confiava neles - e eram quase felizes. Só faltava uma cama.

Aquele homem era assim mesmo, tinha o coração perto da
goela.

único vivente que o compreendia era a mulher. Nem
precisava falar : bastavam os gestos.

Recordou-se de lutas antigas, em danças com fêmea e cachaça.
Uma vez, de lambedeira em punho, espalhara a negrada. Ai
Sinha Vitoria começara a gostar dele. Sempre fora reimoso.
Iria esfriando com a idade? Quantos anos teria? Ignorava, mas
certamente envelhecia e fraquejava. Se possuísse espelhos,
veria rugas e cabelos brancos. Arruinado, um caco. Não

sentira a transformação, mas estava-se acabando.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Cidades de Papel



— Você sabia que na maior parte de toda a história da humanidade a
expectativa média de vida foi inferior a trinta anos? Você podia contar com mais
ou menos uns dez anos de vida adulta, certo? Não havia planos de
aposentadoria. Não havia planos de carreira. Não havia planos. Não havia tempo
para planejar. Não havia tempo para o futuro. Mas aí a expectativa de vida
começou a aumentar, e as pessoas começaram a ter mais e mais futuro e a passar
mais tempo pensando nele. No futuro. E agora a vida se tornou o futuro. Todos
os momentos da vida são vividos no futuro: você frequenta a escola para entrar
na faculdade para arrumar um bom emprego para comprar uma casa legal e
mandar os filhos para a faculdade para que eles consigam arrumar um bom
emprego para comprar uma casa legal para mandar os filhos para a faculdade.


Quando você fala
coisas ruins das pessoas, nunca deve dizer a verdade, porque depois você não pode
negar tudo, entende? Quer dizer, ou você faz luzes, ou você faz mechas. Mas não
se pinta uma faixa de gambá no cabelo.
* * *

— Uma dica: você fica bonitinho quando está seguro de si. E menos quando
não está.

Sabe qual é seu problema, Quentin? Você espera que as
pessoas não sejam elas mesmas. Quer dizer, eu podia odiar você por ser tão pouco
pontual e por nunca se interessar por nada que não seja Margo Roth Spiegelman
e por, tipo, nunca me perguntar como estão indo as coisas com minha
namorada… Mas eu não ligo, cara, porque você é você. Meus pais têm uma
tonelada de porcaria de Papais Noéis pretos, mas tudo bem. São meus pais. Eu
sou totalmente obcecado por uma enciclopédia on-line e por isso deixo de atender
o telefone quando meus amigos ligam, ou mesmo minha namorada. Tudo bem
também. Eu sou assim. Você gosta de mim do jeito que eu sou. E eu de você. Você
é engraçado, inteligente e pode até chegar atrasado, mas sempre chega.

— Você não está preocupada com o… para sempre?
— O para sempre é composto de agoras