sexta-feira, 22 de julho de 2016

As Vinhas da Ira

AS VINHAS DA IRA
JOHN STEINBECK



Tenho a vocação de guiar o povo, mas não sei para onde o guiar.

-Sim, tudo isso é muito estranho -ponderou o rendeiro. -Mas, se um homem possui uma pequena propriedade, essa propriedade é parte dele, é semelhante a ele. Se ele possui uma propriedade assim, pode andar sobre ela, tratar dela e ficar triste quando ela não produz e sentir-se alegre quando a chuva a rega; essa propriedade é ele, é parte dele, é semelhante a ele. Mesmo que não seja bem sucedido, ele sente-se grande com a sua propriedade     isto.

-Deixe-me pensar-disse o rendeiro.-Todos nós temos de pensar. Talvez haja maneira de evitar isto. Não pode ser como o relâmpago e o terramoto. Se os homens fizerem uma coisa má, haverá, por Deus, alguma coisa que se possa alterar.

-Compreendo muito bem-respondeu Casy. -Compreendo muito bem. O Muley teve qualquer ideia. Mas nem ele a pode explicar nem eu posso percebê-la.

-Não, você fez bem em falar. Às vezes, um homem que está triste deita com a conversa a tristeza pela boca fora. Ás vezes, um homem que se encontra a pontos de matar, deita com o falar, o assassínio pela boca fora e já não mata. Você fez bem. Não mate ninguém se o puder evitar.

- Não é assim tão mau como isso - explicou Joad. - É como todas as outras prisões. É inferno para quem provoca o inferno. 

E, corno, quando algo de alegre ou de agradável se lhes deparava, eles olhavam primeiro para ela, a fim de ver se ela se mostrava alegre, a mãe habituara-se a extrair alegria das coisas menos alegres. Melhor que a alegria, era porém a calma que ela demonstrava. Sabia mostrar-se imperturbável. E, dessa sua posição simultâncamente grande e humilde, extraíra não só dignidade como uma calma superior, Da sua posição de médica de almas, haurira segurança, tranquilidade e domínio de gestos; pela sua posição de árbitro, tornara-se distante e impecável como uma deusa. Parecia saber que dependia dela o edifício da família; e que, se ela se mostrasse verdadeiramente perturbada ou dominada pelo desespero, todo esse edifício se desmoronaria ao menor sopro de ventos adversos.

-Vejam o olhar dele-disse a mãe.-Parece inspirado. Tem um olhar que, como se diz, atravessa tudo. 

Vou trabalhar nos campos, nos campos verdes e ficar mais perto de toda a gente. Não vou tentar ensinar-lhes nada. Eu é que vou tratar de aprender. Vou saber porque é que os homens andam pelos campos, vou ouvi-los falar e cantar. Vou observar as crianças a comerem papas e os homens e as mulheres moerem os colchões à noite. Vou comer com eles e aprender com eles.-Os seus olhos tornaram-se húmidos e brilhantes.-Vou deitar-me na relva, aberta e honestamente, com quem me queira. Vou,gritar e praguejar à vontade e vou ouvir as canções populares. E isto que é sagrado, isto tudo que eu não pude até agora compreender. Isto é que está certo e bem feito.

Pregar é fazer bem às pessoas, mesmo quando as pessoas se sentern capazes de matar quem lhes faz o sermão.

-A questão não é saber se podemos; a questão é saber se queremos-disse com firmeza. -Quanto a poder, acho que não podemos nem ir para a Calífórnia nem para outro lado qualquer. Mas, quanto a querer, a gente, querendo, faz o que pode. 

Pode-se cozinhar coisas pequenas em vasilhas grandes, mas não se pode cozinhar coisas grandes em vasilhas pequenas. 

Os homens em êxodo, fugindo do terror que campeava atrás deles, sofreram coisas estranhas, algumas ruelmente amargas, é certo, mas outras tão belas que a fé se lhes reanimou para sempre.

Seria o mesmo que viver muitas vidas ao mesmo tempo. Há mil vidas que nós poderíamos viver, quando chega o momento de escolhermos uma, apenas. 

"Tudo o que vive é sagrado.". 
Porque o homem, ao contrário de qualquer coisa orgânica ou inorgânica do universo, cresce para além do seu trabalho, galga os degraus das suas próprias ideias, emerge acima das próprias realizações. 

receiem a hora em que o homem não queira sofrer mais e morrer por um ideal, pois que esta é a qualidade base da Humanidade, é o que a distingue entre todas as coisas do Universo.

A terra pareceu-lhes demasiada na sua imensidão e tiveram de optar por uma nova maneira de viver; a estrada passou a ser o seu lar e o movimento o seu meio de expressão. 

Uma pessoa que sabe o que quer pode dominar unia porção de gente. 


Todas as noites, um mundo surgia: amizades se cimentavam; inimizades se criavam; uni mundo completo, com gabarolas e covardes, com gente silenciosa, com gente sossegada, gente humilde e gente bondosa. Todas as noites se entabulavam relações, relações que modelavam um mundo, e todas as manhãs esses mundos se desfaziam como circos ambulantes.

-Se ele precisa de um milhão de acres para se sentir rico, parlece-me a mim que é porque se sente pobre lá por dentro e se ele $C sente pobre por dentro, não é um milhão de acres que o vai fazer sentir-se rico e talvez se sinta desapontado por nada lhe dar a impressão de ser fico, 

-Não   sei o que hei-de dizer. Ela cerrou os olhos por um instante e logo tornou a abri-los. -Então diga-a para si mesmo. Não é preciso dizê-la em voz alta. Assim mesmo serve.

-Eu já não tenho Deus. -Tem, sim, eu sei que tem. Não importa o senhor saber ou não  o que Ele é, mas tem.

- Não é preciso muita coragem quando se não pode fazer outra coisa. 

-Bem-disse Casy-todos acharam que foi um descuido, mas, se você pensa que foi um pecado, então é porque foi um pecado. O pecado é uma coisa que a gente mesmo cria.


Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano. Há nisto uma tristeza, uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar. 

Está provado que nada é inútil, mesmo que o pareça."

Eu estarei em qualquer sítio, na escuridão. Estarei em toda a parte, em qualquer sítio para onde a senhora se puser a olhar. Onde quer que   *se lute para que a gente com fome possa comer... eu estarei presente. Onde quer que a polícia esteja a bater num tipo, eu estarei presente. Imagine se o Casy soubesse disto! Estarei onde quer que se vejam criaturas a gritar de raiva... e estarei onde as crianças sorriam porque têm fome mas saibam que a ceia não tarda. E quando a nossa gente comer aquilo que plantar e morar nas casas que construir... então também eu estarei presente. Está a ver? Olhe que já vou falando como o Casy. Isto é de pensar nele tantas vezes. Há ocasiões em que até me parece que o estou a ver.

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